Queridos parceiros,
Estamos precisando da sua voz!
Uma antropóloga da UNB deve estar entregando para a UNICEF, nos próximos
dias um relatório sobre o infanticídio indígena no Brasil. Esta antropóloga
é uma das maiores defensoras da "interdição" de vidas de crianças que não se
adequam socialmente. Ela alega que matar uma criança nestas condições não
envolveria morte. Além disso ela minimiza o problema, dizendo que os casos
de "interdição" são raríssimos. As organizações indígenas envolvidas com a
defesa da vida de suas crianças sabem que isso não é verdade e estão
indignadas com o que está sendo dito por aí.
Escrevi o artigo abaixo com o objetivo de apoiar a manifestação dos
indígenas. No artigo discuto o absurdo da "teoria do homicídio sem morte" e
questiono escolha desta antropóloga pela UNICEF. O artigo tem só duas
páginas, está copiado no corpo do texto abaixo e também está no anexo.
Peço que vocês nos ajudem a divulgar este material. Precisamos dar bastante
destaque a este assunto nos próximos dias. Precisamos encontrar um jeito de
questionar esse relatório e cobrar da UNICEF que ouça os indígenas que estão
envolvido na questão. Então, se você puder nos ajudar nisso, nós
agradecemos. Sei que há algumas organizações indígenas se mobilizando para
fazer uma manifestação em Brasília, mas ainda não sei quando vai ser isso.
Vamos abrir nossa boca e nos manifestar em apoio aos nossos irmãos indígenas
que estão lutando para garantir uma chance para suas crianças. Muito
obrigada por emprestar sua voz àqueles cujas vozes ainda são abafadas.
Márcia
A ESTRANHA TEORIA DO HOMICÍDIO SEM MORTE
Marcia Suzuki
Conselheira de ATINI – VOZ PELA VIDA
www.atini.org
Alguns antropólogos e missionários brasileiros estão defendendo o
indefensável. Através de trabalhos acadêmicos revestidos em roupagem de
tolerância cultural, eles estão tentando disseminar uma teoria no mínimo
racista. A teoria de que para certas sociedades humanas certas crianças não
precisariam ser enxergadas como seres humanos. Nestas sociedades, matar
essas crianças não envolveria morte, apenas “interdição” de um processo de
construção de um ser humano. Mesmo que essa criança já tenha 2, 5 ou 10 anos
de idade.
Deixe-me explicar melhor. Em qualquer sociedade, a criança precisa passar
por certos rituais de socialização. Em muitos lugares do Brazil, a criança é
considerada pagã se não passar pelo batismo católico. Ela precisa passar por
esse ritual religioso para ser promovida a “gente” e ter acesso à vida
eterna. Mais tarde, ela terá que passar por outro ritual, que comemora o
fato dela ter sobrevivido ao período mais vulnerável, que é o primeiro ano
de vida. A festa de um aninho é um ritual muito importante na socialização
da criança. Alguns anos mais tarde ela vai frequentar a escola e vai passar
pelo difícil processo de alfabetização. A primeira festinha de formatura, a
da classe de alfabetização, é uma celebração da construção dessa pessoinha
na sociedade. Nestas sociedades, só a pessoa alfabetizada pode ter esperança
de vir a ser funcional. E assim vai. Ela vai passar por um longo processo de
“pessoalização”, até se tornar uma pessoa plena em sua sociedade.
Esse processo de socialização é normal e acontece em qualquer sociedade
humana. As sociedades diferem apenas na definição dos estágios e na forma
como a passagem de um estágio para outro é ritualizada.
Pois é. Esses antropólogos e missionários estão defendendo a teoria de que,
para algumas sociedades, o “ser ainda em construção” poderá ser morto e o
fato não deve ser percebido como morte. Repetindo – caso a “coisa” venha a
ser assassinada nesse período, o processo não envolverá morte. Não é
possível se matar uma coisa que não é gente. Para estes estudiosos, enterrar
viva uma criança que ainda não esteja completamente socializada não
envolveria morte.
Esse relativismo é racista por não se aplicar universalmente. Estes
estudiosos não aplicam esta equação às crianças deles. Ou seja, aquelas
nascidas nas grandes cidades, mas que não foram plenamente socializadas
(como crianças de rua, bastardas ou deficientes mentais). Essa equação
racista só se aplicaria àquelas crianças nascidas na floresta, filhas de
pais e mães indígenas. Racismo revestido com um verniz de correção política
e tolerância cultural.
Foto: Niawi, menino indígena enterrado vivo no Amazonas aos 5 anos de
idade, por não conseguir aprender a andar. Seus pais eram contra o
sacrifício e se suicidaram antes.
Tristemente, o maior defensor desta teoria é um líder católico, um
missionário. Segundo ele "O infanticídio, para nós, é crime se houver
morte. O aborto, talvez, seja mais próximo dessa prática dos índios, já que
essa não mata um ser humano, mas sim, interdita a constituição do ser
humano", afirma.” i
Uma antropóloga da UNB, concorda. "Uma criança indígena quando nasce não é
uma pessoa. Ela passará por um longo processo de pessoalização para que
adquira um nome e, assim, o status de 'pessoa'. Portanto, os raríssimos
casos de neonatos que não são inseridos na vida social da comunidade não
podem ser descritos e tratados como uma morte, pois não é. Infanticídio,
então, nunca".” ii
Mais triste ainda é que esta antropóloga alega ser consultora da UNICEF,
tendo sido escolhida para elaborar um relatório sobre a questão do
infanticídio nas comunidades indígenas brasileiras iii. Como é que a UNICEF,
que tem a tarefa defender os direitos universais das crianças, e que
reconhece a vulnerabilidade das crianças indígenas vi, escolheria uma
antropóloga com esse perfil para fazer o relatório? Acredito que eles não
saibam que sua consultora defende o direito de algumas sociedades humanas de
“interditar” crianças ainda não plenamente socializadas. v
O papel da UNICEF deveria ser o de ouvir o grito de socorro dos inúmeros
pais e mães indígenas dissidentes, grito este já fartamente documentado
pelas próprias organizações indígenas e ONG’s indigenistas vi.
A UNICEF deveria ouvir a voz de homens como Tabata Kuikuro, o cacique
indígena xinguano que preferiu abandonar a vida na tribo do que permitir a
morte de seus filhos. Segurando seus gêmeos sobreviventes no colo, em um
lugar seguro longe da aldeia, ele comenta emocionado:
“Olha prá eles, eles são gente, não são bicho, são meus filhos. Como é que
eu poderia deixar matar?” vii
Para esses indígenas, criança é criança e morte é morte. Simples assim.
[i] http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=347765
[ii] idem
[iii] Marianna Holanda fez essa declaração em palestra que ministrou em
novembro de 2009 no auditório da UNIDESC , em Brasília.
> [iv] Segundo relatório da UNICEF, as crianças indígenas são hoje as crianças
mais vulneráveis do planeta. “Indigenous children are among the most
vulnerable and marginalized groups in the world and global action is
urgently needed to protect their survival and their rights, says a new
report from UNICEF Innocenti Research Centre in Florence.”
[v] Em algumas sociedades, crianças não socializadas seriam gêmeos, filhos
de mãe solteira, de viúvas ou de relações incestuosas, crianças com
deficiência física ou mental grave ou moderada, etc. A dita “interdição” do
processo pode ocorrer em várias idades, tendo sido registrada com crianças
de até 10 anos de idade, entre os Mayoruna, no Amazonas. Marianna defende
essa “interdição” em dissertação intitulada “Quem são os humanos dos
direitos?” Estudo contesta criminalização do infanticídio indígena
[vi] www.quebrandoosilencio.blog.br www.atini.org
www.movimentoindigenaafavordavida.blogspot.com http://vimeo.com/1406660
carta aberta contra o infanticídio indígena
[vii] Trecho de depoimento do documentário “Quebrando o Silêncio”, dirigido
pela jornalista indígena Sandra Terena. O documentário está disponível no
link www.quebrandoosilencio.blog.br
Márcia Suzuki
Presidente do Conselho
ATINI – VOZ PELA VIDA é uma organização social, sem fins lucrativos,
formada por índios e não-índios, que atua na defesa dos direitos das
crianças indígenas em situação de risco e na busca de um modelo indigenista
mais humano.
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