A igreja tem duas dimensões: organismo e organização, corpo místico de Cristo e instituição religiosa, que convivem e se misturam enquanto fenômeno histórico e social. O grande desafio é fazer a dimensão institucional diminuir para deixar o organismo espiritual crescer. O que se observa hoje, entretanto, é um movimento contrário, no qual muitas comunidades cristãs caminham a passos largos para a institucionalização, sem falar naquelas que estão com os dois pés fincados no terreno da religiosidade formal. Se não, observe o que eu chamo de marcas da institucionalização da igreja:
1. Liderança personalista. Quando a comunidade acredita que algumas pessoas são mais especiais do que outras, abre brecha para que alguém ocupe o lugar de Jesus Cristo e se torne alvo de devoção. Ocorre então uma idolatria sutil e, aos poucos, um ser humano vai ganhando ares de divindade. Líderes que confundem a fidelidade a Deus com a fidelidade a si mesmos se colocam em igualdade com Deus e, em pouco tempo, pelo menos na cabeça dos seus seguidores, passam a ocupar o lugar de Deus. Eis a síndrome de Lúcifer.
2. Ênfase na particularidade do ministério. Uma vez que o projeto institucional se torna preponderante, a ênfase não pode recair nos conteúdos comuns a todas as comunidades cristãs. A necessidade de se estabelecer como referência no mercado religioso conduz necessariamente à comunicação centrada nas razões pelas quais “você deve ser da minha igreja e não de qualquer outra”. Torna-se comum o orgulho disfarçado dos líderes que estimulam testemunhos do tipo “antes e depois de minha chegada nesta igreja”.
3. Ministração quase exclusiva à massa sem rosto. Ministérios institucionalizados estão voltados para o crescimento numérico e valorizam a ministração de massa, que se ocupa em levar uma mensagem abstrata a pessoas que, caso particularizadas e identificadas, trariam muito trabalho aos bastidores pastorais. Parece que os líderes se satisfazem em saber que “gente do Brasil inteiro nos escreve” e “pessoas do mundo todo nos assistem e nos ouvem”, como se transmitir conceitos fosse a única e mais elevada forma de dimensão da ministração espiritual. Na verdade, a proclamação verbal do evangelho é a mais superficial ministração, e deve ser acompanhada de, ou resultar em, relacionamentos concretos na comunhão do corpo de Cristo.
4. Busca de presença na mídia. Mostrar a “cara diferente”, principalmente com um discurso do tipo “nós não somos iguais os outros, venha para a nossa igreja”, é quase imperativo aos ministérios institucionalizados. A justificativa de que “todos precisam conhecer o verdadeiro evangelho”, com o tempo acaba se transformando em necessidade de encontrar uma vitrine onde a instituição se mostre como produto.
5. Projetos ministeriais impessoais. Ministérios institucionalizados medem seu êxito pela conquista de coisas que o dinheiro pode comprar. Pelo menos no discurso, seus desafios de fé não passam pelos frutos intangíveis nas vidas transformadas, mas em realizações e empreendimentos que demonstram o poder das coisas grandes. Os maiores frutos da missão da Igreja são a transformação das pessoas segundo a imagem de Jesus Cristo e da sociedade conforme os padrões do reino de Deus, e não a compra de uma rede de televisão ou a construção de uma catedral.
6. Exagerados apelos financeiros. Consequência de toda a estrutura necessária para sua viabilização, os ministérios institucionalizados precisam de dinheiro, muito dinheiro. As pessoas, aos poucos, deixam de ser rebanho e passam a ser mala-direta, mantenedores, parceiros de empreendimentos, associados.
7. Rede de relacionamentos funcionais. A mentalidade “massa sem rosto” somada ao apelo “mantenedores-parceiros de empreendimentos” faz com que as relações deixem de ser afetivas e se tornem burocráticas e estratégicas. As pessoas valorizadas são aquelas que podem de alguma forma contribuir para a expansão da instituição. Já não existe mais o José, apenas o tesoureiro; não mais o João, apenas o coordenador dos projetos Gideão, Neemias, Josué, ou qualquer outro nome que represente conquista, expansão e realizações.
8. Rotatividade de líderes. Não se admira que muitos líderes ao longo do tempo se sintam usados, explorados, mal amados, desconsiderados e negligenciados como pessoas. O desgaste de uns é logo mascarado pelo entusiasmo dos que chegam, atraídos pela aparência do sucesso e êxito ministerial. Assim a instituição se torna uma máquina de moer corações dedicados e esvaziar bolsos de gente apaixonada pelo reino de Deus. O movimento migratório dos líderes de uma igreja para outra é feito por caminhões de mudança carregados de mágoas, ressentimentos, decepções e culpas.
9. Uso e abuso de conteúdos simbólicos. A institucionalização é adensada pelos seus mitos (nosso líder recebeu essa visão diretamente de Jesus), ritos (nossos obreiros vão ungir as portas da sua empresa) e artefatos (coloque o copo de água sobre o aparelho de televisão), enfim, componentes de amarração psíquica e uniformidade da mentalidade, onde o grupo se sobrepõe ao indivíduo e a instituição esmaga identidades particulares. Os símbolos concretos (objetos, cerimônias repetitivas, palavras de ordem) afastam as pessoas do mundo das ideias. Quanto mais concretos os símbolos, mais amarrado e dependente o fiel.
10. Falta de liberdade às expressões individuais. Ministérios institucionalizados, personalistas, dependentes de fiéis para sua manutenção financeira e psicologicamente amarrados pelos conjuntos simbólicos não são ambientes para a criatividade e a diversidade. Todos brincam de “tudo quanto seu mestre mandar, faremos todos” e, inconscientemente, acabam se vestindo da mesma maneira, usando o mesmo vocabulário, gestos e linguagens não verbais. Seus rebanhos são compostos não apenas por “massa sem rosto” e “mantenedores-parceiros de empreendimentos”, mas também por “soldadinhos uniformizados”, o que, aliás, é a mesma coisa.
Ed René Kivitz
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